domingo, 6 de maio de 2007

Fundamentalismo saudável

Cresce em mim uma notável preocupação em relação à legislação antitabaco. Isto tem que ver com as afirmações que, em jeito de sussuro, se vão fazendo quanto a eventuais recuos e cedências perante lobbies pouco representativos da vontade maioritária da população. O que digo, portanto, é que há claramente um conjunto de interesses que se conjugam - tabaqueiras, restauração e lazer e alguns (poucos) fumadores - e que, com um surpreendente mediatismo, têm (aparentemente) colhido apoios no seio do poder político.
Devo confessar que se trata aqui de uma matéria em que eu compreendo, apoio e potencio qualquer fundamentalismo em vista da coercividade quanto à proibição desse nefasto hábito. Sempre e quando o mesmo interfira, por mais mínima que seja a interferência, com o direito ao ar puro de qualquer ser humano. Sejamos claros, este é um daqueles temas que não admitem meios termos, ou somos a favor ou contra a proibição de fumar em locais onde coabitem, trabalhem ou circulem pessoas (com o pressuposto anterior presente como é óbvio). Nem se venha sequer argumentar que (como já ouvi no PP) o consumo de cocaína ou heroína é menos gravoso do ponto de vista da resposta do Estado, leia-se multas, do que o acto "inócuo" de fumar. O que aqui está em causa não é o mal que o fumador provoca "estupidamente" a si mesmo, é antes a repercussão nefasta que atinge todos os terceiros que se vêem obrigados a uma escolha maquiavélica: abandonar o local onde se encontram ou "gramar" com o fumo alheio e com as subsequentes consequências dessa inalação; e isto quando tal opção existe. Se alguém fumar cocaína ou heroína (ou outra substância idêntica) então que se autue de acordo com as contra-ordenações em questão (neste caso duas), é simples.
Da minha parte, que tive o prazer de viver durante um ano num país em que já vigorava a proibição de que se fala, no caso concreto na Itália, deixo aqui o meu testemunho. Posso-vos dizer que não existia entre os clientes habituais de bares, cafés e ou restaurantes qualquer sentimento de descriminação, desrespeito ou perseguição. O que se via sim era um reconhecimento cada vez maior das desvantagens inerentes a este vício e um crescente despertar para a necessidade de abandonar os cigarros, mesmo por via de uma maior auto censura.
Também não me foi visível qualquer amargura por parte do sector da restauração e lazer, os clientes não eram menos, as receitas não baixaram e a proibição não resultou na criação de um corpo de delatores que, qual PIDE, controlariam inelutavelmente os clientes.
Qual o segredo perguntar-se-á, nenhum, bastou uma dose sensível de civismo de todas as partes para participar num esforço que, nunca é demais lembrar, visa a saúde pública e que, exactamente por isso, merece a nossa pequena contribuição.
Assim o que cabe pedir ao poder político é que não recue numa questão que desde sempre foi um marco civilizacional e que hoje se pode tornar num sinal de evolução do nosso país.
A velha lição da liberdade assenta aqui que nem uma luva, "a nossa acaba quando começa a dos outros".

2 comentários:

Hugo Soares disse...

E eu? E a minha liberdade?

João Marques disse...

Acaba quando começa a minha e a de todos os outros.